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Odontologia
Você tem rangido os dentes? Sente dor de cabeça ou de ouvido? Já ouviu falar de bruxismo?

ENTREVISTA: PAULO THOMÉ VASCONCELOS

 

ZENTA.: Por que muitas pessoas estão apertando ou rangendo os dentes? Qual a correlação com os tempos atuais?

 

 

PAULO THOMÉ VASCONCELOS: Desde o início de 2020 com o surgimento da COVID -19, o hábito de apertar ou ranger os dentes tem aumentado entre a população em geral, como tem sido observado pelos cirurgiões dentistas de todo o mundo. Tal fato foi publicado no dia 8 de setembro de 2020 no jornal The New York Times, indicando o estresse e o alto nível de ansiedade em que estamos vivendo como causa dessa parafunção e responsável pelo aumento exagerado do número de pessoas com esse hábito. No Brasil, dados oficiais apontam que o problema atinge 40% da população (índice antes da pandemia de Covid-19).

 

Z.: E qual é o problema em ranger os dentes?

 

P.T.V.: O ranger exagerado de dentes à noite ou de dia pode contribuir para o aparecimento de anormalidades que atingem a Articulação Temporomandibular (ATM) e/ou os músculos da mastigação. A ATM se localiza entre a mandíbula e o crânio na região anterior à orelha, dos lados direito e esquerdo. Essas articulações possibilitam os movimentos da boca como abertura, fechamento, e funções como mastigar, falar e engolir.

Segundo Noshir Mehta, diretor do Centro de Dor Craniofacial da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade Tufts, em uma situação de normalidade os dentes se tocam durante 20 minutos por hora, com uma força máxima de 10 a 20 kg. Durante o bruxismo, explica ele, os dentes de cima e de baixo podem entrar em contato direto por até 40 minutos a cada hora, com uma força de cerca de 110 kg. Essa força exagerada pode contribuir para o aparecimento das Disfunções Temporomandibulares (DTMs) e causar fraturas e trincas nos elementos dentários.

Existem fatores que podem desencadear, perpetuar e contribuir para que a dor e a disfunção se apresentem. Alguns destes fatores são: trauma, estresse emocional, apertamento constante dos dentes quando acordado, bruxismo do sono e hábitos como mascar chicletes, roer unhas, etc., e até predisposição genética para dores crônicas, dentre outros. Antigamente, acreditava-se que tudo era causado pela posição dos dentes; hoje, os estudos mostram que o papel da má oclusão dentária na causa de DTM é pequeno.

 

Z.: Quais os sintomas?

 

P.T.V.: Os mais comuns são: dificuldade, dor ou limitação para abrir ou movimentar a boca, ruídos nas ATMs, travamento da mandíbula, dores na face e próximo ao ouvido, cansaço nos músculos da face, certos tipos de dor de cabeça, entre outros.

Dores de cabeça fazem parte dos sintomas mais frequentemente relatados pelos pacientes com DTM. A dor de cabeça (cefaleia) afeta pessoas de todas as idades (54,2% adultos, 51% adolescentes e 24% idosos) e de ambos os sexos, sendo mais comum em mulheres.

Dor na cabeça pode ser um sintoma de DTM. Nestes casos, a dor na cabeça pode ser em pressão, localizada nas têmporas, e do mesmo lado da DTM. Esta dor recebe a denominação de dor de cabeça secundária, ou seja, causada pela presença da DTM.

 

Entretanto, é muito comum que o paciente apresente dor de cabeça primária (quando a dor de cabeça é a própria doença) e DTM. Existem vários tipos de dor de cabeça. Os mais comuns na população brasileira, segundo a Sociedade Brasileira de Cefaleia, são: migrânea (15,2%), cefaleia tensional (13%) e cefaleia crônica diária (6,9%).

 

A migrânea, mais conhecida como enxaqueca, é uma dor que afeta normalmente a metade da cabeça, piora com esforços físicos e, além da dor, os pacientes costumam apresentar outros sintomas durante a crise: intolerância à luz (fotofobia), obrigando o indivíduo a procurar locais escuros para seu conforto; intolerância a ruídos (fonofobia), de forma que o paciente se afasta dos locais ruidosos; e intolerância a odores (osmofobia). Outros sintomas frequentes são náusea e vômito.

 

Z.: É comum pacientes com DTM sentirem dor no ouvido?

 

P.T.V.: Sim. É bastante frequente o relato desse sintoma em pacientes com DTM, assim como hipoacusia (perda parcial ou total da audição), tinido (sons/zumbido no ouvido), vertigens e tonturas (sensação de desequilíbrio). Normalmente é possível diagnosticar se são consequências de patologia local ou não. Após a realização de um exame clínico bem conduzido, se ainda pairar dúvidas quanto ao diagnóstico, será necessária a avaliação minuciosa por um médico otorrinolaringologista.

 

Z.: Zumbido no ouvido pode ser causado pela DTM?

 

P.T.V.: O zumbido é considerado um tinido subjetivo (percebido só pelo paciente). Pode ocorrer em pacientes com DTM, bem como em consequência a doenças do ouvido ou do sistema nervoso central (com ou sem perda auditiva). Sua origem é pouco esclarecida, mas sabe-se que são muitas as condições que podem estar associadas a esse sintoma.

 

Z.: Ruído no ouvido indica a presença de patologia?

 

P.T.V.: Ruídos no ouvido são achados muito comuns mesmo na população assintomática. Assim sendo, não necessariamente indicam a presença de patologia ou disfunção.

 

Z.: DTM pode causar perda da audição?

 

P.T.V.: Este é um tema ainda controverso. Há o relato de uma modesta perda de audição, principalmente nas frequências médias e baixas, justificadas por um leve aumento do tônus muscular do músculo tensor do tímpano. Pode também originar-se em leve disfunção da tuba auditiva, que ocasiona pequena diminuição da ventilação dentro do ouvido. Entretanto, a ausência de anormalidade nas audiometrias não consegue comprovar que não há correlação entre perda auditiva e DTM.

 

Z.: Vertigem ou tontura pode indicar DTM?

 

P.T.V.: Estes são os sintomas menos frequentes nas queixas de DTM em si. Mas como a DTM acontece junto com condições que apresentam este sintoma, muitas vezes os pacientes os relatam.

 

Z.: Plenitude auricular (sensação do ouvido cheio, com os sons sendo percebidos abafados) é considerada DTM?

 

P.T.V.: Não, esse sintoma é considerado uma disfunção da trompa auditiva. Pacientes com DTM podem apresentar também esse mesmo sintoma, pela redução da ventilação e pressão no ouvido médio, provavelmente provocado pelo aumento do tônus do músculo pterigoideo sobre a própria trompa. Para a elaboração do diagnóstico diferencial, em casos mais incertos, um exame especializado torna-se necessário.

 

Z.: Como tratar?

 

P.T.V.: Os tratamentos de escolha nos dias atuais são conservadores e apresentam excelentes resultados, como autocuidados, medicação, placa de mordida, fisioterapia, etc. Em uma pequena porcentagem de casos onde há alterações específicas nas ATMs, a cirurgia pode ser indicada. Entretanto, é importante lembrar que é fundamental um correto diagnóstico, já que a maioria das DTMs apresentam envolvimento muscular com indicação de tratamentos conservadores.

 

Fontes:

Sociedade Brasileira de Dor Orofacial (SBDOF)

BBC Brasil

Dr. Paulo Thomé Vasconcelos é cirurgião dentista, mestre e especialista em Ortodontia, coordenador do curso de Especialização em Ortodontia da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas - Regional Vila Mariana

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