Dra. Paula Paixão ressalta a importância da história de vida para envelhecer com qualidade
ENTREVISTA - DRA. PAULA PAIXÃO FRANCO, PSIQUIATRA
ZENTA: Como tem refletido no seu consultório o aumento da expectativa de vida do brasileiro?
DRA. PAULA PAIXÃO FRANCO: Observo que com o aumento da expectativa de vida do brasileiro houve também um aumento da procura por auxílio nas questões de saúde mental por parte de indivíduos que se encontram no processo de envelhecimento. Ao longo dos últimos anos, o estigma em relação à psiquiatria e à saúde mental tem diminuído e, consequentemente, a procura por esses serviços está caminhando para se tornar algo mais natural. Apesar disso, percebo que indivíduos com idade mais avançada ainda têm certa dificuldade em assimilar que, mesmo diante da finitude da vida, muitas vezes é necessário cuidar da saúde mental.
Z.: Você acha que as pessoas ao se depararem com o "envelhecer" na maioria das vezes apresentam...
P.P.F.: Medo. Acredito que a maioria das pessoas se depara com o medo do desconhecido. Como tantas outras etapas da vida, a senescência (passagem da vida adulta para a velhice) é um período de mudanças, com novas vivências em diversos aspectos, tanto biológicos (corporais), sinalizando que limitações podem surgir, quanto familiares e profissionais (perda de entes queridos, saída dos filhos de casa, nascimento dos netos, aposentadoria, tempo livre, etc.). Ou seja, é um processo complexo.
Z.: As pessoas têm trazido para você uma preocupação com o envelhecer saudável?
P.P.F.: Sim, no geral a questão do estar/ser saudável nunca esteve tão presente em nossa cultura e, diante do processo de envelhecimento, não é diferente. Penso que, em última instância, os cuidados com a saúde que os indivíduos jovens já começam a ter denotam a preocupação e o desejo da longevidade com qualidade.
Z,: De um modo geral, pela sua experiência, você acha que estamos preparados para envelhecer bem?
P.P.F.: Com os avanços da ciência, da medicina e da psicologia acredito sim que dispomos de muitas ferramentas para envelhecer bem. Mas há diferença entre ter ferramentas e utilizá-las de forma consciente e eficaz. A dica que daria para o “envelhecer bem” é que cada individuo fique mais atento para o reconhecimento e a compreensão das próprias necessidades, sejam elas físicas ou mentais. No geral, recebemos sinalizações quando algo não vai bem ou que demanda mais cuidado, mas sem sempre estamos tão atentos. Vivemos bombardeados por estímulos externos e muitas vezes temos dificuldade em nos conectar com nossas sensações corporais, intuições ou sentimentos.
Z.: Existem preocupações de não serem dependentes de alguém no futuro, de limitações que podem ocorrer na velhice?
P.P.F.: Sim, essas preocupações são bastante comuns, principalmente quando surgem limitações mais concretas, como as relacionadas a força física, destreza , disposição, raciocínio e novos aprendizados. Uma situação com que muitos já devem ter se deparado é que vivemos em uma era altamente tecnológica e que as dificuldades de quem não nasceu inserido nisso muitas vezes não são levadas em consideração, tornando difícil a adaptação dessas pessoas e aumentando a preocupação com a questão do depender de alguém.
Z.: As rugas, as mudanças corporais, as limitações físicas costumam aparecer como temores desses pacientes?
P.P.F.: Em maior ou menor grau esses temores aparecem, seja na forma de negação de uma limitação ou das mudanças corporais e de pele, até uma preocupação excessiva e, por vezes agressiva, em evitar a manifestação natural dessas mudanças.
Z.: Aparecem no consultório o medo de solidão e a depressão nos pacientes com mais idade?
P.P.F.: O medo do isolamento, a depressão e a ansiedade costumam sim aparecer em pacientes com mais idade. Esta fase é caracterizada por uma frequência maior de perdas de pessoas que os ligam diretamente à sua origem como cônjuges, irmãos e amigos de longa data. Podem surgir facilmente a sensação de não pertencimento e a de proximidade com a morte, o que tende a gerar sentimentos de tristeza, menos valia e solidão.
Z.: O medo da morte é relatado?
P.P.F.: Percebo que há um temor maior em como se dará esse desfecho, se haverá muito sofrimento ou se será uma morte “tranquila”, se estarão muito debilitados, se saberão de alguma forma quando ela estiver próxima. As dúvidas são infinitas. Nem sempre o medo é expressado claramente, mas com certeza é uma das grandes questões que ronda essa etapa da vida.
Z.: Com que idade você percebe que os pacientes começam a perceber mudanças corporais referentes ao envelhecer? É mais perceptível nas mulheres ou nos homens?
P.P.F.: Observo que para as mulheres essa percepção é mais intensa a partir do climatério, quando alterações hormonais e, com elas uma série de sintomas e mudanças corporais, sinalizam que um ciclo biológico está terminando. Digamos que nessa fase a mulher experimenta de modo mais concreto e visceral o início da senescência, se comparado ao que acontece na mesma época com os homens. Tenho a impressão de que, para os homens, as percepções referentes ao envelhecer estão atreladas às mudanças no âmbito social e profissional, que se somam às mudanças hormonais e corporais.
Z.: Como se apresentam no seu consultório temas como o culto à beleza e à juventude, e a negação da velhice?
P.P.F.: Esse temas perpassam todas as faixas etárias e se apresentam de diversas maneiras. Há pessoas que são extremamente avessas ao culto exagerado à beleza e à juventude. Não deixam, contudo, de cuidar da saúde, mas tendem a não negar as alterações corporais e o envelhecimento. Já outras sentem-se prisioneiras pois, apesar de não concordarem com o culto a esses padrões, não estão tão fortalecidas a ponto de serem suas próprias referências. Existe ainda a porção que busca incessantemente a beleza e o retardo do envelhecimento, usando, muitas vezes, métodos até agressivos para isso. E ainda, há aqueles que se preocupam em sentir-se bem com seu corpo e que conseguem ter suas próprias referências internas para tal.
Z.: Você acha que a história de vida das pessoas pesa em como será o seu envelhecer?
P.P.F.: Sem sombra de dúvida. Uma pessoa que, ao longo da vida, consegue explorar o máximo de sua potencialidade, buscando de alguma forma a conexão com sua personalidade profunda, sua essência, tende a envelhecer de forma mais confortável, ao menos, consigo mesma. Porém, bem sabemos, que frequentemente situações difíceis e delicadas são colocadas (às vezes por nós mesmos) em nossos caminhos e que talvez o envelhecer seja permeado por algum tipo de sofrimento, frustração ou arrependimento. É importante que haja disponibilidade interna para olhar para essas questões na busca de atenuar o sofrimento e abrir caminho para novas perspectivas.
Dra. Paula Paixão Franco é graduada em Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, com Residência médica em Psiquiatria pela Santa Casa-SP, Sub-especialização em psicoterapia no IPQ-HC/USP. É Analista Junguiana em formação pela Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica
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