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Virando a mesa no Zenta - Um dia de trânsito incomum inspira a mudança de vida de Chantal Brissac



ZENTA: Qual foi a sua grande "virada de mesa"? O que mudou?

CHANTAL BRISSAC: Minha virada aconteceu há seis anos, após a perda da minha querida mãe. No período que se seguiu, eu comecei a refletir sobre uma série de questões da minha vida, e uma delas era o jeito que eu "vivia" a cidade, a forma como as pessoas se locomoviam e se relacionavam no trânsito e nas ruas. Dirigindo no dia a dia, como sempre fiz desde os meus 18 anos, eu sentia que muita coisa estava errada. As pessoas não tinham empatia umas com as outras - tampouco eu mesma, que vivia irritada na direção. Havia pressa com os pedestres, falta de respeito e paciência, uma série de emoções ruins. A gota d'água foi um dia de trânsito incomum, em que o trajeto do trabalho para casa, no qual gastava em média 40 minutos, levou uma hora e meia. Fechada no carro naquela noite, me sentindo mal, decidi estacioná-lo em uma rua ali mesmo, a uns 20 minutos a pé de casa, e voltei caminhando. Cheguei feliz e com a ideia de fazer algo para melhorar a mobilidade urbana de São Paulo, torná-la mais viável, agradável, sustentável e gentil. Mas isso foi se formando aos poucos na minha cabeça. Naquela noite, após um longo dia de trabalho, eu só tinha certeza de uma coisa: iria vender o carro e descobrir outras formas de me locomover em São Paulo.

Z.: Em que idade e fase da sua vida isso ocorreu?

C.B.: Eu estava com 56 anos e trabalhava como diretora de redação da revista 29 Horas, onde atuei até março deste ano, durante dez anos.

Z.: Como foi o processo para essa mudança? Como se preparou?

C.B.: A mudança aconteceu mesmo de dentro para fora, me impulsionando a mudar primeiro um hábito em mim, o que ocorreu alguns meses depois desse episódio da volta para casa. Vendi o carro e passei a andar a pé, de ônibus, de metrô e de bicicleta. Primeiramente, redescobri o ônibus, que eu não usava desde a adolescência. Passei a curtir uma série de prazeres, como observar a cidade, as pessoas, a arquitetura; reparar nas árvores no caminho; andar por ruas calmas; saltar do ônibus um pouco antes para tomar um café em algum lugar ou ir adiantando o trabalho pelo celular sentada no banco do ônibus. A ideia de montar um projeto sobre mobilidade urbana veio nesse mesmo período, e o nome surgiu em conversas com pessoas que participaram do projeto Pro Coletivo naquela fase. Fizemos reuniões, escrevemos planos de negócios, mas a correria da vida e da rotina da revista não deixavam me concentrar plenamente no projeto, transformando-o em negócio.

Z.: Quais as principais dificuldades que enfrentou?

C.B.: Esse primeiro e pequeno grupo, a quem sou muito grata, acabou se dispersando, e eu prossegui tocando a ideia de montar uma plataforma de comunicação sobre mobilidade e incentivar especialmente o uso do ônibus, para reduzir o número de carros das ruas e diminuir a poluição. Por que o ônibus? Muitas pessoas no Brasil têm preconceito com esse modal. Andam de ônibus em outros países, mas aqui não. E já naquela época a qualidade dos ônibus era bem melhor. No centro expandido, importante frisar. Mas essa é a região em que as pessoas mais andam de carro sozinhas. Bom, eu comecei a fazer palestras para públicos de classe média alta (no clube Pinheiros e nas faculdades PUC e USP) e via que a plateia se surpreendia com isso, como se fosse algo impensável. As dificuldades maiores foram em relação à implantação do projeto. Demorei para fazer o site, o logo e iniciar a produção de matérias. Depois de dois anos e meio, reencontrei a Anna Paula Serodio, uma amiga que conheci na escola da minha filha, e a partir daí ficamos sócias. Uma nova fase se iniciou aí, há cerca de três anos.

Z.: Quais os principais apoios/companhias/inspirações para conseguir?

C.B.: Anna Paula ficou encantada com a ideia e, como tem experiência em marketing, começou a pensar em um plano para alavancar o projeto. Nessa fase, iniciamos a produção de uma coluna mensal assinada pelo Pro Coletivo na 29HORAS e uma semanal no jornal Metro. Também começamos a buscar parceiros e conhecemos o time da SP Trans, responsável pelos ônibus de São Paulo, e fomos escolhidas para participar do Mobilab, Laboratório de Mobilidade e Inovação da Prefeitura de São Paulo, em um programa de "hospedagem". A temporada lá, durante um ano e meio, foi super produtiva, pois conhecemos vários parceiros do setor de mobilidade urbana sustentável, ativa e coletiva.

Z.: E os maiores benefícios que conquistou?

C.B.: Acho que foi ver que o Pro Coletivo é um projeto que tem propósito e visa uma melhoria de qualidade de vida das pessoas e das cidades. Seu objetivo é informar, motivar e auxiliar as pessoas a adotar soluções de mobilidade mais saudáveis, inteligentes e sustentáveis. E, mais do que isso, permitir ocupar a cidade e participar dela como cidadãos plenos e felizes, exigindo também contrapartidas do poder público. Quanto mais as pessoas caminharem nas calçadas, pedalarem e usarem o transporte coletivo, mais a cidade pode se tornar saudável, agradável e segura, com modais coletivos melhores, mais ciclovias, calçadas amplas e um trânsito menos violento.

Fomos selecionadas também para a final de um concurso da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), em Brasília, com o nosso projeto BUS ANJO, que já era aplicado com voluntários em São Paulo, por meio do site www.procoletivo.com.br. Não ganhamos a final, mas o processo nos ajudou a formatar melhor o programa.

Z.: O que você falaria para alguém que pensa em "virar a mesa"?

C.B.: Diria para se planejar, buscar parceiros, acreditar na sua "virada de mesa" e seguir em frente, mesmo que a passos pequenos. Uma hora acontece. Não desanimar, mesmo com tantas dificuldades, e, se puder, se dedicar integralmente ao que deseja, colocando suas energias no que acredita. Virar a mesa pode ser transformador em qualquer idade e fase da vida, até - especialmente - no zenta!


Foto de Lu Gebara

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