Psicanálise
A ansiedade e suas consequências nestes
tempos extremos
Algumas considerações sobre o posicionamento dos sujeitos perante a angústia: Enfrentamento ou Desespero?
Artigo de YAEL GOTLIEB BALLAS
Na psicopatologia psicanalítica e/ou na classificação internacional das doenças (“dicionário médico”), sinais e sintomas são olhados em sua especificidade e, diante dos danos físicos e sofrimento psíquico que causam em uma pessoa, tratamentos são pensados, propostos e realizados com atenção e cuidado.
Entretanto, alguns sofrimentos psíquicos e físicos foram banalizados e transformados em “coisas comuns”, ou seja, o mal-estar deixa de ser algo importante e vira uma pura palavra do vocabulário humano. Desta feita, o singular e especial do humano designa apenas situações normalizadas e naturalizadas.
Qualquer um pode ter um ataque de pânico, uma crise de ansiedade, acreditar que tem um transtorno de atenção e hiperatividade, uma dificuldade em lidar com frustração, como exemplos mais frequentes escutados no dia a dia da clínica. Coloca-se um nome de doença e ponto final. Problema resolvido. E o melhor de tudo é que ninguém pode falar mais nada: seria politicamente incorreto. Em outras palavras, pode-se dizer que, no lugar de refletir e focar no que vai mal, tampa-se o buraco com um termo ou uma expressão.
Um outro jeito de pensar as dificuldades e a negação das mesmas é pela via do narcisismo, ou seja, as pessoas seguram-se bravamente na crença de que são incríveis e nada as afetará. Assim, qualquer problema é do outro. Por isso, muitos pensadores da contemporaneidade falam deste momento como “cultura do narcisismo” ou “síndrome do possível”. Porém, a máscara pode cair... Entre as patologias mais comuns na atualidade (e excessivamente na pandemia), destaca-se a ansiedade.
No universo da Medicina, para conter os efeitos dos transtornos de ansiedade, a medicalização se faz cada vez mais presente. Muitos adolescentes estão medicados, por exemplo, com Sertralina; crianças, adolescentes e jovens com Ritalina ou Lisdexanfetamina porque, ao fomentar o foco, acabam por diminuir a impulsividade e, portanto, a ansiedade; muitos adultos usando antidepressivos para o tratamento de um transtorno conhecido como ansioso – depressivo.
A ansiedade, mais comum, está infelizmente banalizada e naturalizada ou, ainda bem, diagnosticada. De uma forma ou de outra, causa muitos prejuízos às pessoas. Podemos passar uns quatro dias sem parar conversando sobre o tema.
O Portal Zenta propôs um recorte: discutir a ansiedade e suas consequências nestes tempos tão extremos. Freud, fundador da Psicanálise, usou pouco o termo ansiedade. Falava de angústia, uma sensação de mal-estar inominável, indescritível, ligada àquilo que fora reprimido e guardado a sete chaves no inconsciente, exatamente pela capacidade de gerar desconforto e que surge na realidade.
Quando o sujeito consegue nomear a angústia, ou seja, de alguma forma falar dela e entender o mal-estar, é usual aparecer, no lugar, sentimentos de desespero, medo, fracasso, desapontamento e sensação de ansiedade.
Voltando ao já dito, o surgimento daquilo que foi tirado da consciência, porque não era uma “coisa positiva”, só pode trazer consigo sentimentos difíceis.
De modo geral, ao transformar a angústia em algo com um nome, a tendência é a vida caminhar, com dificuldades superáveis e vivências de prazer. Desta forma, mesmo que haja situações ansiogênicas, é possível ao sujeito refletir, usar da memória e as enfrentar bem.
Algumas pessoas, porém, com uma história de vida disruptiva, uma autoestima baixa e com relações humanas pouco significativas tendem a viver mais frequentemente angustiados ou desamparados (do ponto de vista psíquico, muitas coisas precisaram sair da consciência tamanha dor e mal-estar que produziram) e a sensação de desespero aparece como única resposta na realidade, já que nada dá conta do incômodo.
O desespero tende a ser assertivo. Um fracasso, por exemplo, é tomado como uma certeza e uma crença de que a incapacidade para tudo é uma verdade absoluta. Pode haver insistência na tarefa, mas de modo aflito e atribulado, pela necessidade de ser reconhecido e amado pelo outro, de pertencer a um grupo ou comunidade. O que está em jogo aqui, então, é a posição assumida pelo sujeito. Se houver muitas vivências de fracasso, de incompetência intelectual, social ou emocional e/ou de rejeição, o sujeito tende a ficar no desespero e na certeza de não ser nada.
Assim, reina uma crença limitante, com a qual é impossível lutar: isto não é para mim. O sujeito é tomado pela angústia e paralisa.
Sempre é possível mudar de posição. Aceitar que não somos perfeitos, assim como Narciso diante de sua imagem no lago, não nos torna fracassados, mas humanos. E como tais, queremos ser amados e reconhecidos, desejamos pertencer a determinados grupos, almejamos não falhar e, consequentemente, ter de nos confrontar com a angústia e com o desespero. Como não podemos controlar a realidade, o melhor é tentar tirar o melhor dela: a construção de boas relações que permitam ter vivências de prazer, sem urgência e longe da emergência.
YAEL GOTLIEB BALLAS - Psicanalista, Doutora em Avaliação Psicológica e Desenvolvimento Humano (IP/USP), Doutoranda em Psicologia Clínica (PUC/SP), Mestre em Saúde Materno Infantil (FSP/USP), Especialista em Atendimento de Casal e Família (IP/USP e Instituto Sedes Sapientae), Professora Universitária - e-mail: yael.gotlieb.68@gmail.com